quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Tráfico de drogas em Goiás: existe um crime organizado?


A idéia de que a violência nas grandes cidades se associa ao tráfico e consumo de drogas se disseminou por toda a população como mostram as pesquisas quantitativas e qualitativas. O quadro fica ainda mais completo quando a esta associação vem se juntar um outro componente: os grupos marginais. Os meios de comunicação cuidam, por sua vez, de tornar essa idéia um fato omnibus como diz Bourdieu (2001), quando não contribuem para gerar uma comoção social.

O noticiário recente oferece, sem dúvida, exemplos pródigos dessa associação espúria e, desde já, explicamos que ela é espúria não porque haja relação enviesada, mas pelo seu caráter apriorístico. O primeiro deles foi o assassinato, na cidade de Goiânia, de uma jovem inglesa por um também jovem, mas brasileiro, com requintes de crueldade. A relação com o tráfico e uso de drogas foi imediata. A crueldade passa a ser explicada pelo efeito da droga, ainda que se saiba que isso pode ser usado pela defesa como atenuante. Mais recentemente, dois de maio, duas jovens ligadas a grupos punks foram encontradas mortas com parte do corpo com queimaduras graves, ainda que insuficientes para desencadear os óbitos por si mesmas. Neste último exemplo, observam-se todos os componentes dessa associação entre drogas e violência. São jovens de comportamento desviante, promíscuos e perturbadores da ordem pública. O dado das queimaduras passa a ser explicado pelos rituais de magia negra, que, possivelmente, o grupo praticaria.

Quando perguntamos aos agentes de segurança se o Estado de Goiás estava articulado ao crime organizado, a resposta foi quase sempre negativa. Também eles não ignoram que para que a droga percorra a trajetória que vai da fonte ao consumidor, um outro percurso é estruturado feito de suborno, ocultação, ameaças de morte ou até mesmo o assassinato de pessoas que nele se envolvem.

O que prevalece, portanto, é uma visão unidimensional reduzida ao espetáculo midiático, de difícil reversão seja pelas informações fornecidas pelas delegacias especializadas seja pela pesquisa sociológica. Seria como se cada etapa dessa trajetória oferecesse um obstáculo a ser desvendado, dificultando o estabelecimento de relações explicativas mais coerentes. Aquilo que numa ponta aparece associado (droga e violência), na outra aparece dissociada, ou mais, sugere uma separação abismal. Há, na cidade de Goiânia, uma delegacia especializada em crimes relacionados ao narcotráfico, mas as ações violentas que envolvem os flagrantes são encaminhadas para outras tantas delegacias especializadas. Enfim, o comércio de drogas existe, o consumo existe e a violência associada a um e outro também, mas pouco se sabe da trajetória da droga até o consumidor final.

A droga não cai do céu, cai? Mas ao afirmar-se que o comércio de drogas não está associado ao narcotráfico, ou seja, ao crime organizado, parece sugerir que a droga cai dos céus de Goiás. Uma vez ou outra, os meios de comunicação colocam o Estado de Goiás na rota do narcotráfico, mas como o combate a ele é atribuição da Polícia Federal, a Polícia Civil não apenas o desconhece como não tem qualquer responsabilidade no seu desvendamento e na apuração de informações que levassem a medidas de prevenção.

Há um nível de organização dessa intermediação entre os grandes fornecedores e o mercado consumidor de Goiânia e entorno do Distrito Federal, mas pouco representativo da dimensão que tem o tráfico internacional de entorpecentes. Ainda que haja áreas estigmatizadas como pontos de distribuição e consumo, elas vão se alterando com o crescimento urbano, a modernização urbana ─ que permite mais visibilidade ─ e, até mesmo, certa permissividade por parte da população. Portanto, observa-se também um caráter diluído dessa organização, que vai além das medidas propriamente repressivas.

Esse quadro descritivo sugere também quem seriam os agentes desse comércio e seus alvos preferenciais, destacando-se nos pólos a participação da faixa etária de pessoas jovens de todas as categorias de renda. Certas ocupações também são vistas e até estigmatizadas como associadas ao comércio e ao consumo de drogas, embora não se possa, rigorosamente, estabelecer essa ligação, uma vez que a constatação se ateve às declarações dos indivíduos envolvidos nos flagrantes policiais.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão; Rio de Janeiro : J. Zahar, 2001.

By: Guilherme Borges

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